A DUALIDADE ENTRE O REAL E O IDEAL!
- Ciranda do Aprender
- 9 de jul. de 2020
- 7 min de leitura
Atualizado: 18 de jan. de 2021
Entenda sobre o descaso da administração pública contra os professores e alunos!
Deborah Fasanelli

Estamos diante de tantas incertezas que nos causam medo, dúvidas e indignação, por isso, gostaria de iniciar com uma frase de Darcy Ribeiro, antropólogo, escritor e político brasileiro: “só há duas opções nessa vida; se resignar ou se indignar.” E Darcy Ribeiro afirmou que não iria se resignar nunca! Assim como ele, eu também não posso me resignar, uma vez que ao professor é inerente professar! Não posso me omitir neste momento e digo que a nossa categoria, como um todo, está indignada diante deste contexto pelo qual a educação vem sendo submetida!
Como dizia Paulo Freire, “me movo como educador porque, primeiro, me movo como gente!” É como gente que me sinto indignada! – Pelo descaso à educação; – Pela falta de elementos pontuais aos trabalhadores da saúde; – Pelo descaso à população periférica e negra; – Pela mulher e a violência sofrida em silêncio mais do que nunca; – Pela falta de condições para que a população pudesse ficar em isolamento social; Enfim, não nos falta pelo que nos indignarmos! Trago uma afirmação da filósofa húngara Agnes Heller, foi professora de Sociologia na Universidade de Trobe, na Austrália, “Se agimos, somos responsáveis pelo que se realiza através de nossa ação; se nos afastamos da ação, somos responsáveis pelo que não fizemos.” (Carecimentos e valores, em “Para Mudar a Vida: Felicidade, Liberdade e Democracia”, Editora Brasiliense)….
A Secretaria Municipal de Educação contraria a OMS
Segundo a Instrução Normativa número 38, publicada pela Secretaria Municipal de Educação em 22/11/2019 sobre as diretrizes para a elaboração do calendário de atividades para o ano letivo de 2020 nas unidades escolares, o período destinado ao recesso escolar seria de 10 a 19/07. Contudo, em março, esse período foi antecipado para 23/03 a 09/04, medida adotada pela Secretaria Municipal de Educação como forma de enfrentamento inicial à pandemia, naquele momento adotar tal medida foi a solução mais simples tomada, que não exigiu esforço por parte da SME. Além de tardia, mostrava o despreparo no trato em relação à Covid 19, pois não foi eficaz, uma vez que sabíamos que não se tratava de uma “gripezinha”.
Sendo assim, o período destinado ao recesso escolar, seria, como de fato foi, insuficiente diante dessa realidade. Tanto que SME se viu na necessidade de publicar instruções normativas, em virtude da manutenção das escolas abertas visando a adequação ao trabalho de gestores e do pessoal do quadro de apoio, forçando-os a cumprirem plantões nas escolas, totalmente na contramão das orientações da Organização Mundial de Saúde, que pedia pelo isolamento social, ignorando os milhares de apelos pelo fechamento das escolas.
Cada vez mais SME apresenta justificativas para manter as escolas em funcionamento, inclusive contrariando sua própria orientação, pois na instrução normativa no 13/2020, no artigo 4o dispõe que não haverá atendimento ao público, e dessa maneira, desrespeita seus profissionais, expondo-os nesse enfrentamento, nas trincheiras pela educação, exercendo para além do nosso papel de educador e da escola enquanto instituição educacional, suprindo mais uma vez as faltas de políticas públicas do governo, e cada vez mais, absorvendo as mazelas sociais nunca tão visíveis e de forma tão escancarada.
Os servidores públicos devem se orgulhar!
A equipe escolar (quadro de apoio e gestores) mantida como guarda patrimonial, vulneráveis à toda forma de violência social, ou à contaminação quando colocados num trato direto com a população para garantir uma prestação de serviço assistencial que não deveria ser de competência dos profissionais da educação. A naturalização da exclusão pela negação da realidade. Vitor Paro, professor da Faculdade de Educação da USP e grande especialista em gestão democrática, esteve recentemente num bate-papo com o vereador prof. Toninho Vespoli e foi veemente na questão do fechamento das escolas, pontuando duras críticas ao atual governo em relação a forma de gerir e ao sistematizar uma relação vertical, desconsiderando os profissionais envolvidos.
Nós, servidores públicos, que estamos no atendimento direto à população, devemos nos orgulhar em conseguirmos cumprir com efetividade nossas funções, muitas vezes sem o mínimo necessário nas repartições públicas, mas realizando um serviço eficaz e garantindo ao munícipe um atendimento efetivo.
É triste saber que a escola pública, tão sucateada, reflexo de anos de abandono, é e talvez seja sempre a única opção à população! Para Vygotsky, psicólogo bielorusso, o homem é um ser que se forma em contato com a sociedade.
“Na ausência do outro, o homem não se constrói homem”. Sua compreensão é a de que a formação se dá na relação entre o sujeito e a sociedade a seu redor. Assim, o indivíduo modifica o ambiente e este o modifica de volta.
A EAD ressalta as desigualdades
Numa pandemia, instituir uma EAD, estranha ao processo educacional e esvaziada de sentido, ressalta as desigualdades e as condições insalubres, evidenciando a falta de um ambiente favorável à alfabetização e as experiências cognitivas, culturais, sociais, afetivas e lúdicas diante de um processo histórico nas relações territoriais. Entretanto, quando falamos em educação, é fundamental abordamos as legislações pertinentes.
Recentemente acompanhei uma live com a professora Selma Rocha, prof.a da FEUSP, atuou na SME entre os anos de 1989 a 1992, também fez parte do Conselho Municipal de Educação. Em sua fala, ela resgata a importância dos marcos legais e o direito inalienável à educação, previstos nos artigos 205 e 206 da constituição nacional, a lei 9394/96, nossa LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) e o Plano Nacional de Educação, que institui a educação como um direito de todos e dever do estado e da família dos 04 aos 17 anos, de forma presencial, e a Educação à distância, somente de forma complementar.
Não há educação sem afeto
O parecer do CNE não caracteriza a educação remota, mas entende que há a necessidade da realização de atividades pedagógicas não presenciais, na tentativa de evitar uma ruptura ou lacuna no processo de aprendizagem, bem como a perda do vínculo com a escola que poderá levar à evasão… Precisamos pontuar a medida provisória 934/2020 que possibilitou a flexibilização do calendário escolar em carácter excepcional ao cumprimento dos 200 dias letivos, mantendo porém a exigência em relação às 800 horas. “Se você acha que educação é cara, experimente a ignorância!” Derek Bok.
Se educar é impregnar de sentidos, garantir a permanência dos vínculos é fundamental na relação estabelecida entre o professor e seus alunos. Não há processo de aprendizagem sem os sujeitos de direitos exercendo amplamente suas potencialidades e capacidades, favorecidos por um diálogo de possibilidades, carregados de significados sob o olhar sensível do professor, fica ainda mais notório na educação infantil, que se impregna de sentido pelos cheiros, sons, sabores, cores, ao acalanto e toque das mãos dx educador(a)!
“A primeira ideia que uma criança precisa ter é a da diferença entre o bem e mal. E a principal função do educador é cuidar para que ela não confunda o bem com a passividade e o mal com a atividade.” – Maria Montessori.
O professor é o mediador de todo esse processo de aprendizagem e não um mero burocrata transmissor de conteúdo.
Para tanto, há de fato uma importância da documentação pedagógica e o registro como forma fundamental de preservar e legitimar o processo construído, sem no entanto levar a uma burocratização enfadonha de planilhas e relatórios desconexos, sem nenhuma base científica, que nem de longe expressam a sistematização de um trabalho educacional, mas evidencia uma alienação, ainda que imposta, como uma justificativa documental. Mas o retorno à rotina escolar é inevitável… E está aí rondando às nossas portas e insistindo em nos tirar o pouco da preservação e serenidade que nos resta!
Se a educação se faz para além dos muros escolares, e assim entendemos quando acolhemos aos alunos e seus familiares, também precisamos saber como garantir dentro do espaço físico das escolas e de acordo com a sua realidade, como será essa volta. As escolas públicas, em particular as do município, tiveram redução do número de funcionários nas equipes de limpeza, e portanto é evidente que houve uma precarização dos serviços de higienização dos ambientes escolares e de todo o material ali contido, sobrecarregando os funcionários que são responsáveis pela realização do serviço.
Precisamos pensar nos direitos dos alunos em sua totalidade
Importante destacar que alguns Centros de Educação Unificado, os CEU’s, estão acolhendo moradores em situação de rua em salas de aulas de suas unidades. De fato, tal acolhimento, recebe nosso respeito, mas como farão, diante dessa situação, quando retornarem às aulas? É pontual destacarmos outra questão em relação aos prédios escolares públicos, pois em regra, com raras exceções, a condição da estrutura física requer manutenção urgente e falta espaços externos. Para Paulo Sergio Fochi, professor da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul e especialista em Educação Infantil, precisamos pensar nos direitos das crianças, os alunos em sua totalidade, e de seus familiares na construção deste retorno, o acolhimento e o afeto, a aceitação e adequações às possíveis mudanças nesse retorno, inclusive ao ambiente escolar, participar e compartilhar das decisões, serem orientados e receber as informações necessárias para se sentirem tranquilizados…
Mas quem fará esse processo em relação à nossa equipe escolar, até agora em plantão? Bem como aos professores que também precisam sentir que estão acolhidos, protegidos e saber que sua saúde e sua vida serão preservadas! Escola é um organismo vivo, onde todos devem conhecer as ações desenvolvidas, entender como ocorrem as relações, com criticidade para esse espaço e suas intencionalidades, e assim deveriam comungar das mesmas concepções. Clarice Lispector se referindo à educação: “Ela tem em si água e deserto, povoamento e ermo, fartura e carência, medo e desafio. Tem em si a eloquência e a absurda mudez, o requinte e a rudeza.”
“Mais vale errar se arrebentando do que poupar-se para nada.” Darcy Ribeiro.
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Deborah Fasanelli é professora de educação infantil e ensino fundamental; pedagoga e Psicopedagoga Pós graduada em Direito Educacional. Atualmente ocupa o mandato Popular do Professor Vereador Toninho Vespoli
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