MÚSICA PARA CRESCER: a contribuição da Música para o desenvolvimento de bebês e crianças
- Ciranda do Aprender
- 7 de set. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 18 de jan. de 2021


por Fernanda Mattos
Vou te fazer um convite: pare um momento e permita-se somente estar. Relaxe as pernas, os braços, os ombros, a mandíbula, os olhos… Deixe seu corpo sentir. Reserve um tempo para perceber sua respiração e o movimento que ela gera no seu corpo; quão forte e quão rápido seu coração está batendo; se há outros movimentos que você percebe nele. Leve o tempo que achar necessário. Aproveite o momento para tentar perceber, também, os sons que esses movimentos geram.
Da coexistência desses elementos temos nosso primeiro contato com o que virá a ser música. Enquanto ainda bebês no útero, sentimos um turbilhão de vibrações - as batidas do coração, o sangue circulando, os sons dos órgãos... tudo em dobro, como se dois músicos tocassem a mesma música. Por volta da 21ª semana de gestação, quando é formado o sistema auditivo do bebê, é somada a escuta da vida sonora fora desse corpo, como a voz da mãe e de outras pessoas, sons de animais, músicas e sons do cotidiano. Segundo estudos de pesquisadores da área, como Anthony DeCasper e William Fifer, bebês recém nascidos já demonstram reconhecer histórias e músicas ouvidas no último trimestre de gestação, bem como reconhecimento, distinção e preferência pela voz da mãe.
MÚSICA PARA QUÊ?
Música para ninar, celebrar, contemplar, trabalhar, acalmar, animar - música para tudo. Mas… por quê?
O ser humano é social. Precisamos da troca, da construção em grupo, de conhecer outras perspectivas para crescermos em mais caminhos. Essencialmente, precisamos nos COMUNICAR.
E a música comunica não só palavras, mas sentimentos - por isso é tão impactante. Em qualquer lugar do mundo para onde a gente viaje, vamos encontrar uma criança brincando, pais cantando para seu filho dormir ou amigos tocando juntos: todos estão, algum nível, dialogando. A brincadeira através do ritmo da palavra, o acalanto em suas melodias delicadas e suaves, a música em grupo com diferentes timbres em consonância, entrando em acordo.
Comunicando-se com nossos pares (e ímpares!), com o mundo ao nosso redor, com seus sons, cores, cheiros e caminhos, vamos nos desenvolvendo e apredendo a lidar com assuntos internos que posteriormente viabilizam a vida em sociedade. No fazer musical não é diferente: o som dos instrumentos se entrelaça, cada qual com seu timbre, peculiaridades, origens e possibilidades, podendo estar em harmonia ou não. No comando de um instrumento, desenvolvemos habilidades para comunicar com expressão, movimentos e olhares.
CONEXÕES
Na primeira infância, desde o momento em que o bebê está em sua vida intrauterina, tudo é novidade. O canto dos pássaros, a buzina dos carros, a fala das pessoas, o barulho dos passos, as gotas da chuva, o talher no prato, o estalo da língua, as palmas, o grito e o sussurro, o respirar… Todos os sons são materiais novos, prontos para serem explorados.
Sendo exposta à música, a criança tem a oportunidade de explorar não só o som de instrumentos mas também seu corpo em relação ao som e ao espaço, de fazer música em conjunto e sozinha, de expressar-se de diferentes maneiras e de desenvolver inúmeras habilidades como a linguística, a matemática e a motricidade, por exemplo. Mauro Muszkat, pesquisador da área, afirma que a experiência musical modifica estruturalmente o cérebro, aumentando o tamanho e a conectividade de várias áreas cerebrais. Também afirma que a educação musical favorece a ativação dos chamados neurônios espelho (essenciais para a cognição social humana e responsáveis por funções como empatia, afetividade e compreensão de linguagem verbal e não verbal).
No início dos anos 1990 um estudo da Universidade da Califórnia conduzido pelos pesquisadores Rauscher, Shaw e Ky avançou os estudos na área de neurologia, Música e primeiros anos de vida. Chamada de “Efeito Mozart”, a pesquisa separou três grupos de bebês e a cada um deu um estímulo sonoro diferente: o primeiro escutou composições de Mozart, o segundo, gravações de sons repetitivos, e o terceiro, gravações de histórias. Como resultado, o primeiro grupo demonstrou ser o único a desenvolver a habilidade de pensar relações espaço-temporais, pois as especificidades da construção da música de Mozart estimularam a parte do cérebro responsável por este tipo de raciocínio.
Isto não significa que somente obras de Mozart estimulam o cérebro humano ou que a bebês deve ser prescrito ouvir horas a fio de Mozart ao dia para que se desenvolvam plenamente. O compositor neste estudo foi escolhido pois, sim, há particularidades intrigantes em suas músicas - e sua importância é inegável. Mas é de suma importância que, seja em casa ou em aulas de musicalização, a criança seja exposta a uma gama diversificada de sons, com músicas que explorem diferentes timbres, alturas, ritmos, padrões e velocidades.
AFINAL DE CONTAS
Não somente pelo fato de que a música desenvolve um cérebro mais saudável e diversas habilidades como a fala, a noção espacial e corporal, a sociabilidade, a coordenação motora fina e grossa, relações matemáticas e tantas outras questões que vejo a importância da música na vida das crianças. Eu poderia ficar aqui lhe falando sobre o quanto a música é importante enquanto cito mil descobertas da ciência… Mas a música é mais o que isso. A música é parte de nós, e nunca deveria ter sido compartimentada.
A música, assim como qualquer outra área do conhecimento, não deve ser usada somente a serviço de, para que outros objetivos sejam alcançados. É incrível, claro, que possa ser ensinado biologia com uma música ou que história valha-se de uma pintura para ensinar um período histórico. Mas ela deve ter seu lugar honrado, pelo simples prazer de tê-la na vida. Seja brincando, tocando, cantando, compondo... seja batucando na mesa - a música é importante na vida de todos os seres humanos, em qualquer forma, pois fala sobre nós como indivíduos e como comunidade.
*Fernanda Mattos é educadora musical e artista paulista, trabalhando em sala de aula com crianças e jovens de 0 a 15 anos e com formação de professores. Nos últimos anos vem se dedicando a estudar Música e Movimento na Educação e a cultura da infância pelo mundo.
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