AS PERCEPÇÕES DE CRIANÇAS NO 1º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL SOBRE O BRINCAR
- Ciranda do Aprender
- 21 de jun. de 2020
- 19 min de leitura
Atualizado: 18 de jan. de 2021
: COMO ERA NA EDUCAÇÃO INFANTIL E COMO É AGORA?
Michelle Rodrigues Cabral
Lisandra Marisa Princepe
RESUMO
O objetivo da pesquisa, aqui relatada, foi investigar as percepções de crianças matriculadas no Ensino Fundamental (EF) sobre o brincar, a partir de uma comparação com o brincar na Educação Infantil (EI), na perspectiva das próprias crianças. Para a coleta de dados foi solicitado que alunos do 1° ano de uma escola municipal de São Paulo, produzissem desenhos que ilustrassem as duas escolas (EMEI e EMEF) e também foram realizadas entrevistas com essas mesmas crianças. Os resultados revelaram que na EI o brincar era predominante, pois os desenhos e os depoimentos das crianças traduziram espaços ao ar livre e parque (playground) e brincadeiras em evidência. No EF, ficou claro que as relações mais formalizadas são predominantes. Os espaços da sala de aula e a estrutura física da escola denunciaram que o brincar perdeu seu espaço e sua força. Os dados também apresentaram importantes indícios da necessidade da criança por momentos lúdicos.
Palavras-chave: Brincar. Educação Infantil. Ensino Fundamental de 9 anos.
Introdução
O texto relata dados de uma pesquisa que teve como objetivo principal conhecer as percepções das crianças matriculadas no Ensino Fundamental (EF) de nove anos em relação ao brincar. Buscou-se investigar como era o brincar na Educação Infantil (EI) e como é atualmente no primeiro ano do EF.
Esse estudo justifica-se, pois consideramos que por meio do brincar, a criança manifesta sua criatividade, seu mundo interior, expõe seus sentimentos, angústias e anseios. Concordamos com Huizinga (1980) quando afirma que a criança tem em sua essência uma tendência para brincar. O jogo, o brinquedo e a brincadeira colocam em movimento suas potencialidades. Quando a criança é mobilizada para uma tarefa lúdica, é possível sustentar seu entusiasmo, garantir sua concentração e alegria.
A autora Moyles (2002) discute que o brincar, o brinquedo e a brincadeira devem estar presentes na vida escolar das crianças. O brincar com intencionalidades pedagógicas contribui para que o processo de ensino e aprendizagem aconteça através de diferentes desafios, ou seja, aprender brincando é um aprender desafiador e estimula a concentração, a motivação e diversos interesses de aprendizagem. A brincadeira desperta no sujeito o interesse pelo aprender sobre as diversas áreas do conhecimento.
Já Bruner (1978, apud KISHIMOTO, 2008, p. 45) defende que é por meio do brincar que a criança aprende a solucionar as questões mais desafiadoras, brincando a criança soluciona problemas variados, e o brincar em situações mais complexas contribui para um bom resultado para as atividades que apresentam maior grau de dificuldade.
Enquanto brinca, o ser humano se desenvolve de forma integral. Desde que nascemos já interagimos com o outro, com o meio e com as coisas do mundo. Afirma também Kishimoto (2008) que todo o ser humano em momento de brincadeira se sente livre para explorar novos horizontes de aprendizagens, consegue ir além do esperado.
A brincadeira não tem prazo de validade, ela deve iniciar o mais cedo possível, e se estender ao longo da vida, pois, enquanto brinca, o indivíduo expressa sentimentos, a sua imaginação, a criatividade, o talento, e diversas habilidades motoras e funções cognitivas.
O Ensino Fundamental de 9 anos
Ao fazermos uma análise da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), percebemos o avanço em relação ao aumento do tempo de escolaridade da população brasileira. Na Lei no 4024 de 20/12/1961, foi estabelecido quatro anos de escolaridade obrigatória; já em 1971, a Lei 5.692 aponta que o ensino de oito anos passou a ser obrigatório. A atual LDBEN, 9.394/96 já aponta para um ensino obrigatório de nove anos. Essa proposição tornou-se meta da educação nacional, de acordo com a Lei 10.172/2001 que aprovou o Plano Nacional de Educação, “atender o maior número de crianças por um período maior de permanência nas escolas.
A Lei n.o 11.114/05 altera os artigos 6°, 30°, 32° e 87° da LDBEN 9.394/96, com o objetivo de tornar obrigatório o início do EF aos seis anos de idade, antecipando a entrada das crianças nessa modalidade de ensino.
Em seguida, foi promulgada a Lei no 11.274 de 6 de fevereiro de 2006, que altera a redação dos artigos 29°, 30°, 32° e 87° da LDBEN, ampliando o Ensino Fundamental de oito para nove anos, e a matrícula obrigatória no primeiro ano, aos seis anos de idade.
As leis asseguram que a duração mínima de nove anos para o EF e a matrícula obrigatória aos seis anos de idade não devem alterar a rotina de alunos que já estão no EF. Além disso, é preciso que os materiais didáticos sejam repensados para atender bem os ingressantes conforme suas necessidades, bem como os espaços educativos que devematender as especificidades das crianças nesse momento de transição.
Quando o EF passa ser obrigatório para as crianças de seis anos, acontece um grande diferencial, pois o Brasil amplia o tempo de escolarização básica, de modo a assegurar um tempo mais longo no convívio escolar. Além disso, a justificativa do Ministério da Educação era que com a obrigatoriedade da matrícula aos seis anos de idade, ocorreria a inclusão de um maior número de crianças, especialmente as dos setores populares.
A implantação de uma política que amplia o EF de oito para nove anos tem como objetivo, garantir para todas as crianças um maior tempo nos espaços de convívio escolar, contribuindo assim para o processo de interação e socialização, dando possibilidades e maiores oportunidades de adquirir novos conhecimentos e novas aprendizagens (BRASIL, 2007).
O documento do MEC também enfatiza que, para que um bom processo de ensino e aprendizagem aconteça nas instituições de ensino, não dependerá apenas desse aumento do tempo de permanência nas instituições, mas também será necessário que esse aumento
de tempo seja bem aproveitado, por isso se fala sobre a boa administração-política através de propostas que possibilitem um bom funcionamento das instituições.
Para o Ministério da Educação seria necessário a construção de uma escola que:
[...] seja um espaço e um tempo de aprendizados de socialização,
de vivências culturais, de investimento na autonomia, de desafios,
de prazer e alegria, enfim, do desenvolvimento do ser humano em
todas as suas dimensões (BRASIL, 2004).
O bom funcionamento das instituições é colocado pelo Ministério da Educação, como condição primordial para que os ingressantes possam aprender de forma significativa.
De acordo com Arelaro (2005) o processo de mudança que ocorreu no EF a princípio, pode ser entendido como um grande avanço, porém, não podemos descartar a falta de políticas voltadas para atender as especificidades, necessidades e singularidades dessas crianças pequenas, que agora são inseridas no EF que antes era de um período de oito anos e que atualmente é de nove anos. Entretanto, só a entrada não garante a inclusão social, bem como apenas o aumento do tempo de escolaridade não garante o sucesso escolar das crianças. É necessário a criação de propostas voltadas aos processos de ensino e aprendizagem para garantir às crianças de seis anos que aprendam com qualidade.
Conforme Maciel, Baptista e Monteiro (2009), quando a criança encerra o seu período na EI e ingressa no EF, automaticamente, são impostos novos desafios a ela, sobretudo, estão presentes os desafios pedagógicos para as questões educacionais, tanto para as crianças quanto para as instituições.
O que dizem as pesquisas sobre o brincar no Ensino Fundamental de 9 anos?
A fim de examinar as tendências das pesquisas sobre o EF de nove anos e de como estão sendo os olhares educacionais e pedagógicos sobre a importância do brincar nessa etapa de ensino, foi realizado o levantamento de algumas pesquisas que apontaram resultados significativos sobre a temática. Gorni (2007) realizou um estudo que teve como foco investigar como a proposta do ensino de nove anos e antecipação da chegada das crianças da EI para o EF chegou às escolas, e de que forma as mesmas se prepararam para o processo de mudança. A pesquisa revelou que o processo de conscientização, envolvimento e comprometimento dos educadores que atuam nas diferentes instâncias educacionais com a concretização da proposta do ensino de nove anos, deve ser o grande
diferencial para que a mesma produza bons resultados, e também para que não seja apenas uma antecipação da alfabetização, e uma simples mudança no contexto político.
Moro (2009) teve a intenção de conhecer e analisar como professores do 1o ano do EF de nove anos, de escolas públicas municipais, avaliam a implantação e implementação da política pública nacional de ampliação do EF. Os resultados demonstraram que alguns profissionais sentiam remorso pelas crianças, por acreditarem que, um período da infância está sendo interrompido. A autora conclui que, é desafiadora essa nova lei que proporciona grande peso ao professor que é dar conta do novo 1o ano, pois ainda há grande distância entre a política e seus agentes principais.
A pesquisadora Santos (2006) teve a intenção de mostrar como foi implantado o EF de 9 anos considerando a realidade educacional brasileira, analisando as consequências de sua implementação, entendeu-se que, a inclusão de crianças de seis anos no EF, tendo em foco as que pertencem a mais baixa renda da população, proporciona maior oportunidade de igualdade na idade de acesso à educação escolar.
Para Santos, é importante analisar a ampliação do EF para nove anos, considerando não apenas suas repercussões mais imediatas no campo do currículo e das práticas pedagógicas, mas também suas repercussões mais amplas nas interações com outras políticas, como por exemplo, a EI, tendo como foco as questões da infância na sociedade contemporânea. A pesquisa revelou que existe uma ausência de preocupação no interior das políticas públicas para a EI e deve-se pensar no impacto causado a essas crianças inseridas no EF.
O estudo de Arelaro; Jacomini e Klein (2011) revelou também que as professoras do EF percebem a necessidade das crianças pelo brincar, no entanto, as mesmas relatam que não podem dar muito tempo as essas crianças para as brincadeiras, pois precisam apresentar resultados quanto à alfabetização. A princípio, esse processo de ampliação do tempo na escola, pode ser entendido como um grande avanço, porém, não podemos descartar a falta de políticas voltadas para atender as especificidades, necessidades e singularidades dessas crianças pequenas inseridas no EF de nove anos.
Temos ainda uma educação elitizada, onde os menos favorecidos enfrentam grandes obstáculos para dar continuidade nos estudos, e muitos deles acabam nem concluindo o EF. Kramer (2006) apresentou esses dados em sua pesquisa, e ainda relatou que, apesar de o EF passar de oito para nove anos, ainda existe uma crise educacional em relação à qualidade, pois o aumento do número de alunos matriculados nos anos iniciais, não significa uma formação de qualidade e nem se pode afirmar que o mesmo concluirá a etapa completa, pois ainda é grande o índice de evasão.
Bandeira (2006) informou que o aumento do tempo no EF ocorreu de forma rápida no que se diz respeito ao preparo dos ambientes formadores, formação dos professores e profissionais para receber essas crianças que agora chegam com menos idade no EF, e para que essa mudança não seja apenas uma mudança no contexto político,deve-se pensar nas questões pedagógicas, no que, e como essas crianças devem e precisam aprender.
Nos estudos e correlatos predominou uma visão de que o EF de nove anos ainda apresenta muitos desafios a enfrentar, tanto nos contextos políticos e sociais, como também nas práticas envolvidas, nas realidades dos espaços, nos preparos dos docentes em relação às práticas que devem ser aplicadas para com essas crianças em momentos de transição.
Apesar de todas as questões apontadas positivas e negativas em relação à nova proposta do EF, é notável que a importância do brincar nesta nova fase dos alunos de seis anos ingressantes no EF, ainda é uma questão que tem pouco espaço em discussões tanto nos aspectos pedagógicos, quanto no contexto das realidades escolares.
Percurso Metodológico
Esse estudo investigou as percepções de crianças que frequentam o 1o ano do EF sobre o brincar. Buscou-se ouvir das crianças como são os tempos e espaços para brincadeiras, identificar como eram organizados os momentos destinados ao brincar na Educação Infantil e como acontece no primeiro ano.
Optou-se pela abordagem qualitativa de pesquisa que, segundo André (2005,p. 47), tem como foco de atenção “[...] o mundo dos sujeitos, os significados que atribuem às suas experiências cotidianas, sua linguagem, suas produções culturais e suas formas de interações sociais”.
Foi realizado um estudo em uma Escola Municipal de EF, localizada na Zona leste de São Paulo, que foi fundada em 25/01/1957 e atende crianças entre 6 a 14 anos, em dois períodos: o matutino que é dedicado ao EF I; e o período vespertino, o EF II.
A coleta de dados foi dividida em duas etapas: etapa I – Inicialmente foram convidados a participar do estudo, todos os alunos matriculados e que frequentavam o 1o ano A e B da escola citada, totalizando 26 crianças. Apesar de ter sido solicitada a participação de duas turmas para a pesquisa, algumas crianças não tiveram as assinaturas de autorização dos pais ou responsáveis e outras não estavam presentes nos dias que foram agendados para a coleta dos desenhos e entrevistas.
Etapa II – Participaram da produção dos desenhos 20 crianças, e das entrevistas também um total de 20 crianças, todas com a autorização dos pais ou responsáveis por meio da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.
Na primeira etapa foi solicitado às 20 crianças participantes da pesquisa com prévia autorização, que fizessem dois desenhos, um representando a Escola de Educação Infantil e outro representando a Escola do EF. Na segunda etapa, realizou-se entrevistas semiestruturadas, (que tiveram a duração aproximada de 25 a 30 minutos, foram gravadas e depois transcritas integralmente) com as mesmas crianças.
Principais Resultados
As crianças conseguem expor muito bem as suas ideias enquanto desenham, por isso, uma das formas de coletar dados foi solicitar desenhos, para que todas pudessem se expressar com maior liberdade. Luquet (1969) afirma que os desenhos das crianças são totalmente ligados a objetos e vivências de sua realidade, e que através do desenho a criança se aproxima o máximo da sua realidade, e diz também que: toda criança enquanto desenha se diverte.
Abaixo selecionamos as produções de 4 crianças:

Figura 1
Ao que parece, quando se compara os desenhos dos dois ambientes, as figuras que representam a (EMEI), revelam um lugar onde o espaço é ao ar livre, trazendo elementos que fazem em grande medida, uma alusão ao brincar. Podemos verificar balanços, escorregadores, sol amarelo brilhando próximo a nuvens azuis e corações vermelhos. Os desenhos dão indícios de que na (EMEI) a predominância era de espaços mais livres, e de elementos e objetos que lembram o brincar.
Os ambientes representados nos grafismos, que representam a (EMEI), nos levam a refletir que os indivíduos apresentam certa aptidão correspondente a brincadeiras adotadas de forma bem definida, e as mesmas contribuem para o desenvolvimento das mais diversas funções.
Já os desenhos que representam a (EMEF), mostram um ambiente fechado, onde é possível visualizar portas, cadeiras, mesas individuais e objetos coloridos aparentando serem armários e salas fechadas. Pode se inferir através das expressões gráficas, que as crianças representam a (EMEF) como um ambiente fechado, com carteiras enfileiradas, quadro negro, evidenciando um local que talvez, dê uma maior ou total ênfase nos conhecimentos adquiridos por meio de atividades realizadas num modelo mais tradicional de ensino.
A pesquisa de Arelaro (2011) demonstrou, por meio dos depoimentos de professores, que a escola do EF pouco mudou sua estrutura física e pedagógica para receber esses novos alunos vindos da Educação Infantil. Ficou evidenciado que a escola não tem preparo para receber essas crianças, a começar pelos mobiliários que são muito grandes e inadequados para o tamanho das crianças, e que a escola não foi estruturada e não apresenta características que favorecem a continuidade da infância.
Os desenhos representados pelas crianças que participaram desta pesquisa, nos levam a refletir sobre as diferenças que os espaços revelam sobre o brincar. Desse modo, é possível que a criança esteja revelando que na Escola de Educação Infantil (EMEI) as possibilidades para os momentos de brincadeiras eram muito presentes. Já na Escola de Escola de Ensino Fundamental (EMEF) nos dá a impressão de que o brincar tem pouco ou nenhum espaço.
As entrevistas realizadas com as mesmas crianças que se expressaram através do grafismo, também reforçam as questões apontadas nos desenhos. Ao ser questionada sobre o que fazia na escola de EI, o brincar aparece como primeira, segunda e terceira opção: L responde, “Eu brincava, brincava, brincava bastante.”
Tal depoimento revela as lembranças de L sobre suas atividades na (EMEI) onde
dá indícios que o brincar ocupava a maior parte do tempo. Moyles (2002) discute que o brincar, o brinquedo e a brincadeira devem estarpresentes na vida escolar das crianças. O brincar com intencionalidades pedagógicas contribui para que o aprendizado do sujeito aconteça através de diferentes desafios, ou seja, aprender brincando é um aprender desafiador e estimula a concentração, a motivação e diversos interesses de aprendizagem. A brincadeira desperta no sujeito o interesse pelo aprender as diversas áreas do conhecimento.
Kishimoto (2008) complementa a ideia de que todo o ser em momento de brincadeira se sente livre para explorar novos horizontes de aprendizagens, conseguem ir além do esperado. Isso acontece por não se sentirem pressionados, observados e punidos pelos seus modos de adquirirem novas aprendizagens.
No entanto, quando a fala da criança se refere a (EMEF), ela relata que antes de qualquer atividade a ser realizada, ela primeiro “estuda”. Entende-se que o estudar na fala da criança, é o tempo em que ela passa na sala, desse modo, a sua maior parte do tempo é entendida como em sala de aula, conforme representado nos desenhos.
De acordo com Pereira (1989), os desenhos podem ser apreciados como processo de significação, reafirmando a premissa que a criança desenha e o que ela sabe sobre os objetos, e também indica que, enquanto desenha, ela aprimora o conhecimento que tem dos objetos.
Selecionamos, abaixo, mais quatro expressões gráficas das crianças participantes da pesquisa.

Figura 2
Analisando os desenhos da figura 2, é notável que as crianças expressam através de seu grafismo, que na (EMEI) existiam momentos de brincadeiras em grupo. Nos desenhos percebe-se a representação da figura humana, trazendo evidências de brincadeiras em grupos.
Os desenhos representam um espaço aberto, podendo ser uma quadra de jogos, tendo em volta contornos coloridos com as cores azul, rosa e roxo, e abaixo vários quadrados pequenos. Já as figuras que representam a (EMEF), trazem um quadro negro e um desenho que representa a figura humana a frente do quadro e também nos mostra o que aparenta serem portas fechadas.
Quando a figura do professor é representada no grafismo das crianças, nos traz evidências de que o profissional, na maior parte do tempo, fica a frente, ministrando aulas para crianças que se organizam em carteiras enfileiradas, trazendo uma visão de um modelo mais tradicional de ensino onde, talvez, o brincar ocorra de maneira bastante pontual.
O desenho da figura humana exalta uma tremenda coincidência, que pode estar explícita, ou não, entre o gesto do desenho e o desenho do gesto. O encontro entre a forma e a expressão se designa, e se resigna, em cada linha (DERDYK, 1990, p.67). As possibilidades que os desenhos feitos pelas crianças nos trazem, podem ser afirmadas através de suas falas, as entrevistas revelaram que: “Lá na EMEI eu brincava mais (G).” Já V, quando questionado sobre o que fazia na maior parte do tempo na EMEF, responde: “Lição.” As expressões das crianças, revelam que as práticas pedagógicas atuais, não
expressam o que foi defendido por Santos (2010, p.21):
As práticas pedagógicas atuais têm por tarefa construir competências,
buscar novos conhecimentos, procurar métodos ativos, tornar as
disciplinas menos rígidas, respeitar os alunos, utilizar didáticas mais
flexíveis, buscar avaliações mais formativas, usar novas tecnologias e
tratar os alunos através de técnicas reflexivas.
Ao que parece, os desenhos da (EMEI) revelam um espaço onde se tinha tempo e liberdade para brincar com outras crianças. As representações que os desenhos revelam sobre a (EMEF), trazem uma configuração de um espaço mais solitário. Pode ser que a maior parte do tempo, é aproveitada na sala de aula, enquanto uma pessoa (a professora) representa o ensinar.
Maciel, Baptista e Monteiro (2009) afirmam que, se faz necessário pensar e repensar nos espaços educativos, materiais didáticos que serão utilizados pelas crianças, os espaços físicos que receberão as crianças e onde serão realizadas as atividades pedagógicas. Os mobiliários da instituição devem ser apropriados, adequados e de qualidade para as crianças que agora ingressam aos seis anos no EF.
Graficamente os desenhos apontam uma escola com normas formalizadas de ensino e nos trazem indícios de que, talvez, o brincar não seja priorizado. Os desenhos das crianças apresentam uma ligação com o meio social em que estão inseridas e são totalmente ligados aos objetos de suas vivências e de seu meio, é através do desenho que a criança cria aproximação de sua realidade.
Os desenhos abaixo são bastante reveladores de como a criança expressa suas vivências.

Figura 3
Ao que parece, as relações ficam mais formalizadas depois que as crianças chegam no primeiro ano do EF. Os desenhos (da figura 3), apontam muitas diferenças pois revelam que quando os sujeitos passam da EI para o EF, o espaço e tempo destinado às brincadeiras na EMEI, eram muito mais garantidos, enquanto que na maior parte do tempo na EMEF as crianças sempre procuram uma forma, um tempo e um local para brincar, mesmo que esse tempo, espaço e forma de brincar muitas vezes sejam resumidos apenas durante o intervalo, como revelado na fala de L quando questionado sobre em quais momentos ele brincava enquanto estava na escola (EMEF), a resposta foi: “QUANDO É A HORA DO RECREIO”.
Os desenhos das crianças surgem como forma de registrar sua concepção de mundo, podendo servir como orientadores e auxiliares de políticas voltadas para a infância, ou somente como forma de registro documental de sua existência histórica, revelando nestes momentos, a importância de acreditar nas crianças enquanto sujeitos históricos (GOBBI; LEITE, 1995).
No geral, as crianças trazem elementos importantes de como percebem o brincar, pois sempre nos remete a pensar em seus grafismos como um apelo, pois o brincar não é algo que faz parte do dia a dia escolar de cada um, depois que chegam no EF. Entretanto, quando é feita a análise de cada expressão gráfica em relação ao espaço anterior (EMEI), o brincar sempre é mencionado como uma atividade muito presente.
Vygotsky (1988), afirma que a percepção do objeto, no desenho, corresponde ao sentido que a criança atribui, tornando-se assim, realidade conceituada, e não material. Primeiramente o objeto representado é reconhecido após a realização do desenho, quando a criança expressa verbalmente o resultado da ação gráfica, desse modo, identificada ao objeto por ser similar.
As crianças expressam em seus grafismos, como já foi relatado anteriormente, que na (EMEF) elas não têm a mesma liberdade que tinham antes na (EMEI). Os desenhos trazem evidências de que a escola que elas ingressaram apresenta um formato tradicional, onde as carteiras estão sempre enfileiradas. Em alguns desenhos podemos visualizar que há uma professora apontando o dedo, sendo evidências de gestos autoritários. Parte da fala da criança E nos diz que: “AQUI TEM UM MONTE DE LIÇÃO, VOCÊ ACABA UMA E VOCÊ TEM QUE FAZER MAIS, AI VOCÊ ACABA OUTRA E TEM QUE FAZER MAIS, AI TEM QUE CONTINUAR ASSIM.” E o aluno J quando questionado sobre o que mais faz na (EMEF) responde: “FICO ESTUDANDO.”
Conforme Mizukami (2003) a abordagem tradicional dá ênfase à sala de aula, onde as situações são construídas para que os alunos sejam instruídos e ensinados, de modo que, adquiram os saberes e que sejam capazes de reproduzir os conteúdos.
O modelo escolar tradicional pode apresentar uma forma negativa de receber as crianças, pois se sabe que enquanto brinca a criança aprende, e impossibilitar que as crianças vivenciem experiências por meio do brincar, pode causar uma percepção negativa em relação a nova fase escolar.
Afirma Mizukami (2003) que, a escola tradicional defende uma forma vertical de ensino, onde o professor é a autoridade intelectual, ou seja, o detentor do saber, para a autora, os alunos precisam trabalhar em sua maior parte do tempo individualmente para que possam aprender melhor, a abordagem tradicional, acredita que o aluno aprende melhor quando realiza as suas atividades sem possibilidades de colaboração.
As expressões verbais nos trazem dados importantes sobre o espaço que as crianças brincam. Desse modo, quando M é questionado sobre em qual espaço o brincar se faz presente, ele responde que brinca “NA QUADRA QUE TEM AQUI.” Essa fala revela que o tempo para brincar pode ser resumido apenas às aulas de Educação Física.
Os dados coletados junto às crianças, sujeitos dessa pesquisa, apresentam importantes dados sobre o brincar. Entendemos que, independente do ambiente em que a criança esteja inserida, ela procura encontrar uma maneira para brincar, ou seja, mesmo que na (EMEF) não exista um espaço e tempo favoráveis como antes na (EMEI), a criança consegue de alguma maneira desenvolver uma forma de brincar, como por exemplo, na aula de Educação Física.
É importante ressaltar que dentro da sala de aula na escola de EF, o professor poderia dar continuidade aos momentos de brincadeira, e não receber as crianças desconsiderando as suas necessidades de ter o brincar presente.
Segundo Wallon (1995), se faz necessário levar em consideração que o sujeito não é apenas cognição, ou seja, o sujeito é um ser integral. A escola precisa compreender que, para sujeito construir seus conhecimentos, é necessário que ocorra afeto e movimento também. Para que exista um ambiente de brincadeiras, espaços brincantes, os próprios professores precisam se apropriar e conhecer que o brincar muito contribui para a formação dos sujeitos.
Considerações finais
O objetivo dessa pesquisa foi investigar as percepções de crianças matriculadas no EF sobre o brincar, nessa etapa de ensino, a partir de uma comparação com o brincar na EI, na perspectiva das próprias crianças. Para a coleta de dados foi solicitado que os alunos do 1° ano de uma escola municipal da zona leste de São Paulo, produzissem desenhos que ilustrassem as duas escolas e também foram realizadas entrevistas com essas mesmas crianças.
Os dados revelaram que na EI o brincar era predominante, pois os desenhos traduziram espaços ao ar livre e o parque (playgroud) em evidência. No EF, ficou claro que as relações mais formalizadas são predominantes. Os espaços da sala de aula e a estrutura física da escola denunciaram que o brincar perdeu seu espaço e sua força.
Os dados também apresentaram importantes indícios da necessidade da criança por momentos lúdicos. Entendemos que, independente do ambiente em que a criança esteja inserida, ela procura encontrar uma maneira para brincar, ou seja, mesmo que na (EMEF) não exista um espaço e tempo favoráveis como antes na (EMEI), a criança consegue de alguma maneira desenvolver uma forma de brincar, como por exemplo, na aula de Educação Física ou até mesmo na hora do intervalo para as refeições. Consideramos a necessidade de que o lúdico seja incluído no momento de transição das crianças chegadas da EI para o EF de nove anos. E para que exista um ambiente de brincadeiras, espaços brincantes, os próprios profissionais da educação precisam se apropriar e conhecer que o brincar muito contribui para a formação dos sujeitos.
Além disso, os espaços físicos das escolas precisariam ser repensados, assim como garantir mobiliários adequados e materiais pedagógicos necessários ao desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem. Por outro lado, percebemos que o que está prescrito nos documentos oficiais orientadores do EF de nove anos, infelizmente não é o que revela o que está sendo vivido pelas crianças participantes desse estudo.
Assim, concluímos que a ampliação do tempo escolar deveria ser seguida de uma reestruturação física e material das escolas e de uma formação continuada e valorização, dos professores e demais membros da equipe escolar, para que se possa atingir o objetivo de garantir à criança não só o acesso à escola, mas também ao sucesso, respeitando seu tempo e sua necessidade de brincar.
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